PECULIARIDADES_02
Esse é o segundo post contando sobre algumas
peculiaridades dos russos que chamam minha atenção.
(Leia o primeiro aqui).
1. A INDIFERENÇA dos russos. Nos anos 1990 e
2000, quando os primeiros estrangeiros visitavam a Rússia, algo que
lhes chamava muita atenção era a indifereça das pessoas que podiam
ver alguém morto ou caído na rua e simplesmente continuavam como se
nada estivesse acontecendo. Alguns mal olhavam. Claro que atualmente
já não existe a fome nem a criminalidade generalizada daquela
época. Mas basta conhecer um pouco das augúrias e penas do povo
russo através da história para saber que eles viram mortos o
suficiente: de fome, de tristeza, de desespero, de guerra, de
injustiça e congelados pelo frio para entender essa insensibilidade.
Eu presenciei duas situações que me chocaram um pouco e lembrei
deste aspecto russo. Na primeira, eu estava caminhando pela calçada
de um rio e tinha uma rampa que levava à parte de cima onde pode
caminhar também e a
uns 3 metros adiante eu vi um homem e um pouco atrás dele um casal
de amigos. De repente o homem escorregou e saiu rolando rampa abaixo.
Enquanto eu via a cena acontecendo apressei o passo para ajudar e me
dei conta que o casal sequer olhou para o homem. Eles estavam logo
atrás dele, eu estava longe e na calçada debaixo, mas eles
continuaram o passeio como se nada tivesse acontecido. Depois
de alguns minutos ele
conseguiu se
levantar e estava visivemente bêbado, mas
mesmo assim com aquela queda poderia ter sido ajudado ou ao menos
recebido um olhar. A outra situação foi em uma estação de metrô.
Eu estava caminhando
pelo corredor em direção a escada e vi uma senhora russa, de uns
70 anos, tropeçar no degrau e cair. Um turista a ajudou, perguntou
se ela estava bem. Ele falou em inglês mas deu para entender o
que ele
perguntava. Ela se soltou, falou um obrigada baixo rápido e seguiu
em frente e o rapaz ficou lá parado. Gente, eu vi: ninguém,
absolutamente ninguém sequer olhou àquela senhora. Não senti
ninguém diminuindo o passo, nada. Foi muito estranho. Sabe quando
você olha nem que seja por reflexo? Não com os russos. Como posso
explicar? O corredor estava cheio e a escada também. Não é que
alguém olhou rápido e continuou. Literalmente, sequer notaram a
queda da senhora da mesma forma que sequer
olharam o homem rolando rampa abaixo. Soube
que na cabeça deles uma pessoa que cai pode ser morador de rua (eles
têm verdadeiro pavor de pessoas nesta condição, a discriminação
com esse grupo social aqui é enorme), está bêbado/a
ou alguém em problemas. E alguém morto na rua - na cabeça deles
como resquício gritante da era soviética e da crise dos anos 2000 -
tem a ver com a máfia e crimes. Indiferença total. Nunca tinha
visto algo assim. Ou seja, se – em local
público – você sofrer uma convulsão,
desmaiar ou sofrer um acidente de
trânsito, vai morrer porque ninguém vai
sequer olhar para você ou chamar um policial.
2. Dentro dessa mesma lógica, não é um povo
BRIGUENTO, por mais que tenham a fama de beber muito. Os russos não
gostam de confusão. Se estiver em um bar, por exemplo, e alguém
começar a discutir o mais comum é que os clientes peguem suas
coisas e desapareçam. Eles evitam confusão e não fazem a menor
questão de se meter na dos outros. Isso também vem dos tempos dos
Czares e do período comunista, onde
ninguém queria ter o azar de se indispor
com alguém que era importante ou tinha costas quentes.
3. Aqui não existe FOFOCA!
Para nós latinos isso sim é algo de espantar, não? Mas aqui é
verdade e podemos utilizar as explicações das situações dos dois
tópicos acima para esse também. É um povo que vive a sua vida e
não lhes interessa a dos outros. Cada um que cuide de sua própria
privacidade. Vocês não verão aqui a típica frase: “Você
soube…?”, “Você viu…?” sobre outra pessoa. E se alguém,
provavelmente será um estrangeiro, fizer essa pergunta ficará no
vácuo porque o/a russo/a não dará continuidade. A
vida dos outros não é interesssante aqui.
Em todos os hosteis pelos quais já passei é super comum os
recepcionistas conversarem com você e fazer perguntas. Aqui na
Rússia isso não aconteceu em NENHUM lugar. E vejam que eu fiquei um
mês inteiro em único hostel, conversava com as meninas da recepção
e alguns outros hóspedes e
nunca me perguntaram o que eu estava fazendo aqui. A curiosidade
deles/as com os estrangeiros é saber de onde você é e perguntar
algo sobre o país e não sobre você. Um amigo russo que está agora
em quarentena em outro país com quatro colegas de trabalho, todos
russos, quando eu perguntei se para esses colegas estava ok não
conseguir voltar à Rússia, se eles não têm família aqui a
resposta que tive foi: “Eu não sei”. Perguntei: “Vocês
trabalham juntos, estão ‘presos’ no mesmo hotel há semanas e
você não sabe se algum deles tem filhos? Vocês não conversam?”
e ele respondeu: “Isso é privado. Não conversamos sobre nossas
vidas”. Juro que fiquei pasma! E pensar que nós latinos, em nosso
ambiente de trabalho, sabemos quem é casado, solteiro, quem tem
amante, quem sai com quem, até o
nome dos filhos.
4. Para o povo russo em geral brasileiros falam
ESPANHOL. Pois é gente, primeiro eles pensam que sou da Índia!
Quando digo que sou do Brasil alguns ainda querem confirmação: “Não
Índia?” e depois perguntam se no Brasil falamos espanhol. Já tive
vezes de responder que falamos português e me pedirem para falar
algo em espanhol e alguns se espantam e perguntam qual idioma falamos
no Brasil e quando eu digo que é o português já ouvi: “Mas o
português não é o idioma de Portugal?”. Já passei por isso
tantas vezes que confesso que há vezes que não insisto muito na
explicação. Porém, fiquei curiosa por sempre me perguntarem se sou
indiana, já que me vejo muito diferente de uma e as respostas que
tive foi: “Pelo cabelo”.
Chocolatinho deixado pela minha colega de quarto russa. |
5. O povo russo é DOCE! Sim, eita um povo
fechado, discreto, que não ajuda desconhecidos caídos na rua, que
são econômicos em suas palavras mas que são, em sua esmagadora
maioria, uns fofos/as! Os russos em geral têm dificuldade para se
expressar e para cobrir isso eles dão pequenos presentes. Esse é o
primeiro contato deles/as com outra pessoa, partindo da vontade
deles. Já levei pequenos sustos e surpresas por causa disso desde
que cheguei aqui. No primeiro hostel em que
fiquei em Moscou, uma noite eu estava sentada na sala vendo TV e de
repente um dos rapazes que
estava no mesmo quarto que eu – mas que nunca tinha falado um “a”
comigo – passou, de repente parou e me deu uma barra de chocolate.
Quando falei obrigada ele já tinha saído. Depois disso começamos a
nos cumprimentar. Comentei isso com meu amigo russo e ele peguntou se
eu tinha gostado do gesto e quando disse que sim, ele disse:
“Isso é normal entre
nós. Nós somos assim. Somos gentis uns com os outros”. Achei tão
fofo! E muitas vezes isso aconteceu por onde passei, da parte de
homens e mulheres. Já houve vezes de eu estar no computador e de
repente uma moça
soltar um chocolate na minha mesa e sair rápido. Depois eu a
presenteei com a última garrafinha de guaraná que eu tinha trazido
justamente para dar a alguém, e depois disso sempre trocávamos
bombons, chocolates, etc. Em outro hostel, deixei o computador e fui
ao banheiro e quando voltei tinha um tabletinho de chocolate pra mim.
No último em que estive, dividi o quarto com uma senhora
russa e ela, todos os dias me dava balas, biscoito, zefir,
chocolatinhos, enfim, qualquer coisa doce. Mas eles não dão na sua
mão, o rapaz do hostel
em Moscou foi uma exceção.
Colocam sempre perto das suas coisas.
Como crianças que deixam algo e ficam esperando pela sua reação.
6. É um povo que GOSTA
DE RIR. Com certeza, muitos
ficarão surpresos
aqui. No entanto,
é verdadeiríssimo! Qualquer conversa com russos/a
sempre há muito bom humor e risadas. Eles amam as sátiras! Existem
vários programas, teatros e autores de sátiras aqui porque o povo
russo gosta de situações que os fazem rir. Em geral, os temas das
conversas aqui são variados e leves e eles fazem muitas brincadeiras
e comentários divertidos. Confesso que ainda
é um pouco difícil pois ao fazer a
tradução do pensamento divertido russo para outro idioma algo é
perdido e entender o humor de outra cutura é ainda mais difícil,
pois se faz necessário ter familiaridade.
Porém, esse humor faz parte de todas as conversas e o jeito é se
acostumar o mais rápido possível e ter paciência
pois,
às vezes, algo pode parecer ofensivo. O humor deles é satírico
(90%) e não
estamos muito acostumados com esse tipo de humor porém é muito
presente na literatura russa. Uma
vez, um amigo aqui fez um comentário que eu considerei racista e
fiquei bastante chateada por um tempo e ele continuou a conversa.
Como eu ainda estava incomodada toquei no assunto e ele abriu o maior
sorriso e disse: “Ah, mas isso não aconteceu. Eu inventei. Você
acreditou?” e ria sem parar. Naquele momento pensei que não o
veria novamente, mas conforme caminhávamos e conversávamos percebi
que ele fazia aquilo de inventar pequenas situações como
brincadeira porque sabia que eu sou estrangeira e não sabia
diferenciar o que era e o que não era. Vi esse comportamento outro
dia num canal, um russo falando, muito sério, que russos não
contraem coronavírus porque em geral eles não ficam doentes
porque são criados no frio e que podem
falar com ursos. Depois de vários
comentários ele apareceu, morrendo de rir, perguntando como alguém
poderia realmente acreditar nisso. Sim, eles podem ser assim. Mas, CUIDADO. Esse bom humor é somente entre amigos e família, eles dificilmente riem com desconhecidos e acham que pessoas que estão sempre rindo são um pouco idiotas e pouco confiáveis. Por isso os semblantes nas ruas são sempre sérios.
E aí, o que achou?
Gostei muito, que experiência foda, parabéns. Você é muito guerreira de enfrentar o novo. Que Deus te abençoe sempre.
ResponderExcluirÉ uma grande e diferente experiência. E virá mais por aí. :)
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