"Os ignorantes são mais felizes"
Há pelo menos dois meses venho pensando no tema deste
post. Fiz aniversário. Um número importante: entrei na
quarta década da vida e complicado: porque minha mente e forma de agir estão lá
entre os 28 e 35. Talvez por isso tenha pego a tantos amigos de
surpresa. (Que bom!)
Muitos dizem: "A
vida tem sentido". Sim, ela tem sentido até o momento em que
percebemos que na verdade ela não tem sentido algum. Pensando
logicamente, não há lógica em viver. Já parou para pensar que em 80
anos eu e você, sim, você, nós, não mais viveremos? Estaremos em alguma
lápide ou, em caso de cinzas, servindo de adubo para a terra. Meus pais
há muito terão deixado este mundo. Meus amigos, pouco a pouco, também.
Como não tenho filhos, até o momento, os únicos que se lembrarão de mim
serão meus sobrinhos. Por um tempo. Porque eles também ficarão velhos e
com o tempo - ahh o Tempo este implacável companheiro da Vida e da Morte
- as lembranças que eles têm de mim também vão esmaecer. O tempo faz
isso: transforma-nos em lembranças que se esmaecem até tornarem-se
transparentes, invisíveis e por fim esquecidos.
Se
não formos os responsáveis de algum feito histórico ou científico não
faremos parte de nenhum livro. Nem do rodapé. Nossa vida, nossa passagem
terá sido algo que passou, já foi. Em duzentos anos sequer saberão que um dia estivemos aqui. Que acordávamos, comíamos, trabalhávamos, amávamos, chorávamos e sonhávamos. Exceto, claro, as famílias que montam e mantém suas
árvores genealógicas.
Antes, há muitos
anos, eu também achava covardia e julgava os suicidas. Hoje, entendo
perfeitamente os que decidem tomar essa decisão ao descobrirem que a
vida em si não tem lógica. Sei como é ter aquele lapso de momento que
todas as cortinas caem e nos perguntamos: estamos aqui para quê? Por
quê? Para quem? Se no fim, se com o passar dos anos, não terei a mais
mínima existência por que então estou me preocupando em acordar para mais um dia de vários mais que não vão chegar a lugar nenhum?
Esse
momento é uma verdadeira catarse. É como um tornado que passa, levanta tudo,
destrói o que está à sua volta e não deixa NADA no lugar. Felizmente,
a maioria das pessoas não conhece este momento. Sábias foram as palavras de Clarice Lispector ao afirmar que "Os ignorantes são mais felizes".
Talvez por isso, há alguns anos me
aproximei da filosofia espírita. A existência de um plano superior após a
morte do corpo físico e as experiências a serem alcançadas em cada
experiência de uma nova vida traz um pouco de sentido ao panorama
acima.
É possível que, nesta vida atual, eu
precisasse ser: feliz com a família maravilhosa que tenho; aos 5 anos
pedir o uniforme do Flamengo numa família de vascaínos; àquela que
olhava a montanha e se perguntava o que encontraria quando a subisse e
visse o outro lado; àquela que perturbava todos os professores, no
Primário, e sempre ficava de castigo; àquela que amava quando o dia da
merenda era anguzinho com carne; que esperava ansiosa o pai chegar no
fim de semana com uma caixa cheia de doces; que brigava feio com o irmão,
mas o defendia e cuidava; àquela que brincava de salada mista para
beijar o menino que gostava; àquela que deu um bocado de dor de cabeça
aos pais na adolescência por causa dos namoros, mas que depois sossegou
de tal forma que eles quase a empurravam para sair de casa e fazer
algo que não fosse estudar; àquela que no Segundo Grau teve um grande
professor de Física que a fez conhecer sua inteligência e potencial;
àquela que quando interpretou Hamlet na aula de História fez emocionar a
professora e os colegas de classe; àquela que se apaixonou milhares de
vezes, sofreu outras tantas, e que teve o privilégio de amar e ser
amada; que também agiu errado com algumas pessoas e se arrependeu disso;
que ouviu palavras feias de alguns colegas de escola, mas superou porque
aprendeu que na vida não dá para perder muito tempo chorando e
lamentando; que conheceu bons amigos ao longo da vida e pessoas
venenosas que trouxeram más experiências que, de alguma forma,
ajudaram-na crescer; também sou àquela que passou um ano estudando como
louca para entrar na melhor universidade do país e que aproveitou cada
minuto lá dentro; que, felizmente, trabalhou em tudo a que se propôs e
gostou: professora de Química, de História, de Filosofia, de Português, de Cursinho, de Computação, historiadora, arquivista, recepcionista e gerente de
hotel, web designer, secretária, relações públicas, professora de idiomas. Ufa!
Ser
àquela que se reinventou ao chegar em casa com o cabelo curtinho, bem masculino, sem ter avisado a ninguém; que decidiu ser mochileira quando ainda era algo desconhecido no
Brasil e quase matou os pais de susto quando disse que iria fazer a primeira viagem internacional, sozinha e como mochileira; que quando voltou
da viagem à Argentina e ao Chile, decidiu que era hora de
sair da casa dos pais, bater as asas e morar sozinha aos 25 anos; de ser àquela que esteve em três países em menos de 24h somente para viver um romance com um francês. Oui, oui.
Ser
àquela que se emocionou: ao ver seu nome na lista dos aprovados da USP e foi correndo a um orelhão avisar à família; ao ter uma aluna de cursinho que decidiu mudar de área e fazer a faculdade de História por sua causa e mais emocionante ainda foi vê-la entrar na mesma faculdade que eu; assinar o primeiro contrato de aluguel; ao
saber que teria um sobrinho; ao pegá-lo nos braços; ao estar no
casamento do irmão; viajar com a mãe à Argentina e decidir mudar de
país; ao se descobrir dançando salsa e tango; ao saber que teria uma
sobrinha e pegá-la no colo; em cada despedida de amigos e em cada
chegada ao Brasil; a cada realização de um sonho; ao chorar copiosamente
na porta da cidade medieval de Carcassone, na França, e de quase ter um orgasmo ao
se encontrar, sem esperar, o Coliseu romano e chorar de profunda
tristeza numa sinagoga em Praga ou em Lídice, ambas na Rep. Tcheca; e
sempre se emocionar quando reencontra a família.
Ser
àquela que sentiu tantos prazeres: o do beijo; o do sexo; o da
felicidade extrema; o de comer manga e jaca com as mãos; o de subir em
pés de árvores para pegar frutas; o de passar a tarde chupando cana; o de segurar as mãos das pessoas a
quem amou e ama; de pular amarelinha sempre que vê uma; o de ir atrás
dos vagalumes sempre que faltava eletricidade e, ainda sem luz, ficar
brincando de retirar imagens dos jornais com velas; de ler o mesmo
livro repetidas vezes; o de brincar de bem-me-quer, mal-me-quer.
Ou ainda ser
aquela que se adaptou às mudanças do mundo moderno saindo de escrever os
trabalhos da escola em papel pautado para ter a mãe ensinando como
datilografar e ter mãos sujas de tinta e doendo depois de horas usando a
máquina de escrever; e, de um momento a outro, aprender a usar um
computador, a digitar, a usar celular, a usar a internet, messenger, a ter namorado que conheceu pela internet, a usar redes sociais, skype, notebook,
netbook e tablet. Ufa!
Pois é, já
imaginou tudo isso desaparecer, ter conhecido tantas sensações e passado
por tantas coisas para nada? O jeito é acreditar que de alguma forma
existe algum sentido na VIDA. Porque vivenciar todas essas experiências
para depois tudo desaparecer é muito nada, não é mesmo?
Desse jeito! Por isso temos que nos divertir mais e nos importar menos com a opinião dos outros.
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